O Verão
Na esplanada o dia tinha
restos de uma alegria soalheira que tardara, o calor sentia-se no assento das
cadeiras e no tampo das mesas. Cadeiras verdes, gente sentada. Homens, mulheres,
rapazes, raparigas, um cão. O dia estivera muito quente. A alegria do verão. Chegara.
Àquela hora, quase sem sol, a cidade, ainda mal respirava, derretia a pele com
a pele, deformava as silhuetas e afastava para muito longe pensamentos que não
fossem de água com gelo, beira-mar e roupas coloridas de chinelos no pé. A
esplanada riscada com as cores das saias, dos vestidos, das camisas e dos
chapéus. A esplanada de óculos de sol que refletiam música lounge, gargalhadas e bebidas. Aparecia, escondida do sol, suspensa
numa bolha de ar menos quente, quase gentil. Àquela hora, ainda o cansaço e o calor
tremiam debaixo dos pés. A respiração do mar que começava a deixar-se tocar
pela lua, aproximava-se. Devagar. Mais uns minutos e o verão garrido e ruidoso
das vozes esquecer-se-ia de incomodar, desfazer a melhor das almas. A hora mais
suave, apareceria de mansinho. E o encanto de mais uma noite ficaria por ali. Frente
ao mar. Agitavam-se as conversas, esperava-se pelo troco, acertavam-se as
despedidas. Em breve, a esplanada ficaria mais livre, mais tranquila com o som de breves
silêncios. A noite seria quente, mas já andavam folhas no ar. E rente
ao chão. Sentia-se nos cabelos a luz da noite e, um pouco mais longe, os
vagares de uma onda que vinha enrolar-se na areia. O calor abrandava e
o alvoroço do fim de tarde de mãos molhadas em copos altos partira para outros copos,
outros corpos, outro chão. O junho das cerejas, das suaves raparigas e outros poemas de amor. O junho dos dias luminosos.
Ficava mais sereno quando a lua se aproximava e com a areia fazia um lugar
feliz para enterrar os pés.
(Sol que tudo derrete, calor a
escorrer pelas costas, mãos que escorregam e um ar que não se respira, o verão?
Não, não nos damos bem. O mar, o entardecer e as ondas? Como paisagem, sim. Com
palavras soltas e cheias de espuma. E, nem sempre.)
Maravilhoso, Linda. Adorei.
ResponderEliminarNunca o verão será para mim outra coisa que esta imagem: eu a fugir das sandes de pasta de atum e afins, os pães de lenha, a geleira, eu a fugir de tudo aquilo e a olhar os teus livros alinhados, ou nem por isso, na marquise da tia Salvina. O verão foi-me salvo pelos livros. O sol mata-me.
ResponderEliminarHouve um tempo, muito distante, em que o verão foi um lugar feliz.
ResponderEliminarConstruções na areia, corridas`a beira-mar e muitos amigos. Percorria o areal, que se deixava perder de vista, da praia onde aprendi a olhar para o mar e a correr ao lado das ondas, entretanto, apareceram outros lugares felizes, outros menos felizes, outras pessoas, outros corações para preencher. Cresci. O mundo deixou de ser do tamanho da onda que vinha a seguir, num belo dia de levante. O calor começou a incomodar-me. A praia cheira demasiado a bronzaline e à beira-mar só consigo conversar, se o sol já tiver ido para o outro lado do mundo. Acho que à medida que crescemos, também crescem outros sentimentos, outros gestos. Outros areais. Já não me perco numa praia. Mas não deito fora o que,de todas elas, ficou dentro de mim. Também não morro de amores por uma esplanada se não estiver rodeada de amigos e de palavras sumarentas.
Não, minha querida, os meus livros não te salvaram - e nunca estavam, nem estão arrumados - o que te salvou e, ainda bem, é essa capacidade imensa de amar os teus amigos e o talento de transformares o mundo em páginas de boa literatura.
O verão é um mês de junho com cerejas, sardinhas assadas e acácias floridas. O verão são as crianças que, tal como eu um dia, correm atrás das ondas, fogem das alforrecas e tisnam a cara ao sol.
(Se me deixarem ficar a olhar para eles, muito quieta, sem sol e de livro na mão, que venha qualquer praia, num qualquer mês de junho a setembro, que venha um qualquer verão, porque o outono não tardará)